(Gnose para Poucos: A Nota Síntese)
UM BODDHISATTWA CAÍDO...
"Nestes instantes vêm à minha memória inefáveis recordações. Uma noite qualquer de outono, conversava prazerosamente com um Adepto nos mundos superiores. Ora, conversar com um Irmão Maior, nos Universos Paralelos das Dimensões Superiores, é certamente algo impossível para os adormecidos, para essas pobres criaturas que sonham.
Afortunadamente, eu estou desperto. O tema da conversação foi variado. O diálogo desenvolveu-se sinteticamente. Litelantes escutava calada... É óbvio que ela também está Desperta e se deleita em me acompanhar... ela é minha Esposa-Sacerdotisa.
Aquela conversa fluía aprazivelmente como um rio de ouro sob a selva espessa do Sol.
O Venerável queria uma entrevista comigo, aqui em baixo, no mundo físico, na região Tridimensional.
Era necessário definirmos o horário e o lugar mas Litelantes protestou dizendo: À meia-noite e tão longe de nossa casa, em pleno centro da Cidade do México?...
Inúteis foram os seus protestos... Firmamos a data, empenhamos a palavra.
Passaram-se os meses do outono... eu aguardava com sumo interesse o ansiado ano novo de 1968.
Tendo em vista que tudo passa, não tive que esperar demasiado, até que chegou a noite esperada.
Saí de casa cedo, pois assim tinha que ser. Essa era uma noite de muitas visitas e eu devia me antecipar.
Um táxi conduziu-me da calçada de Tlálpan até o Zócalo. Tive de descer na rua 20 de Novembro, exatamente numa das esquinas da praça da Constituição.
A corrida tinha que ser paga. Quanto devo? Dois pesos, senhor. Aqui está, pode cobrar. O chofer recebeu o dinheiro sem pressentir nem remotamente nada sobre minha identidade, nem sobre o motivo de minha viagem. Que pode saber um adormecido? Acaso o pobre motorista conhecia meus estudos? Quem poderia exigir-lhe? Era um sonhador a mais dirigindo um táxi e isso era tudo.
Andei pelo centro do Zócalo e me detive diante de um grande poste de ferro, que servia de mastro para a nossa bandeira nacional. Era ali o lugar exato do misterioso encontro.
Primeiro devia reconhecer o lugar e assim procedi, porém ainda não eram nem sequer dez horas da noite.
Caminhei pela Avenida 5 de Maio, devagarinho...devagarinho até que cheguei ao parque da Alameda.
O gelo de inverno que sopra nos morros onde nunca se movem matizes nem aromas, baixava em frescos caudais de prata cobrindo os prados murchos.
Sentei-me em um banco do parque. O frio de tal noite de inverno era certamente tremendo. Por aqui, acolá, e por todas as partes as crianças brincavam alegremente, bem agasalhadas. Anciões austeros conversavam sobre coisas talvez muito sérias e graves ou pelo menos sem importância; os namorados sorriam com olhares de fogo luciférico;
resplandeciam luzes de cores variadas e não faltavam, como é normal nesse matizado e pitoresco conjunto humano de ano-novo, alguns disfarces. As pessoas se deleitavam tirando fotografias diante dos três reis magos.
Névoa que brota da montanha, nostalgia obscura, paixão estranha, sede insaciável, tédio imortal, anelo terno, subconsciente, indefinido, ânsia infinita do impossível... eis o que a humanidade sente em tais momentos.
Várias vezes perambulei perto das fontes cristalinas, contemplando junto aos pinheiros belas imagens: globos de variadas cores, simbólicas representações do ano-velho e do ano-novo, carros arrastados pelos cabritos de Capricórnio, etc., etc., etc.
Uma e outra vez, retornando lentamente pela Avenida 5 de Maio, aproximei-me em várias ocasiões do mastro da nossa bandeira nacional, no centro da praça da Constituição.
Olhava ao redor com ansiedade. O glorioso lugar estava relativamente ermo e, para o cúmulo, não resplandecia nessa noite o pavilhão da Pátria com a águia do espírito, a serpente sagrada e o nopal da vontade.
Obscuros Alexandres e Espártacos, como estão longe de compreender tudo isto! Nos cruentos labores da guerra, semeadores de louros e desgraças, foram todos ídolos de argila que caíram por terra desfeitos em pedaços.
Em sublime introspecção, rebusquei minha própria mente, meditando sobre o mistério da vida e da morte.
Faltava somente meia hora para o citado encontro de mistério. Diversas vezes perambulei silenciosamente por ali, entre o Zócalo e a Alameda. De repente, olhando para o relógio, suspirei profundamente, dizendo com um a voz que assombrou a mim mesmo. “Finalmente, a hora está próxima”.
Era necessário apressar um pouco mais o passo para retornar mais uma vez ao lugar do encontro determinado.
Ressoaram os sinos da velha Catedral Metropolitana quando, ansioso, me detive diante do mastro da bandeira nacional.
Faltavam apenas quinze minutos para a meia-noite; olhei ao meu redor como que inquirindo, como que buscando algum sinal indicador da presença do Mestre.
Inumeráveis interrogações me assaltavam. Seria o Guru capaz de não cumprir o encontro combinado? Quem sabe a recordação do encontro não passara para o seu cérebro físico?
Por fim, ó Deus, ressoam as 12 badaladas do ano-novo no campanário, anunciando o ano-novo. Começava a me sentir defraudado, quando algo insólito aconteceu. Vi três pessoas na minha frente. Tratava-se de uma família estrangeira, talvez norte-americana ou inglesa, não sei.
O cavalheiro avança sozinho para mim. Fico a observá-lo atentamente. Reconheço aquelas feições, aquela presença majestosa. É o Mestre que me felicita, me abraça, me deseja êxito total para o ano de 1968 e logo se retira.
Entretanto, eu noto nele algo estranho. Veio a mim como um sonâmbulo, inconsciente, como que movido por uma força superior a ele. Isso me alarma e me entristece um pouco.
Seria possível que a Consciência do Mestre estivesse desperta nos Mundos Superiores e adormecida no mundo físico? Que coisa certamente estranha, enigmática, profunda.
Depois do encontro com o Mestre já não mais me sentia defraudado e em meu coração havia contentamento.
Avancei ditoso para o átrio da velha catedral. Aguardava e, logo, veio meu filho Osíris, conduzindo seu pequeno carro da cor de fogo. Deteve-se por um instante para depois recolher-me e conduzir-me para casa.
O Mestre cumpriu com a promessa? Esta foi sua primeira pergunta. Como a resposta fora afirmativa, é claro que se alegrou muito para, em seguida, guardar silêncio.
Será útil dizer ainda que, depois deste acontecimento, tive uma nova entrevista com o Mestre nos Mundos Superiores. Agradeci o cumprimento da promessa e o felicitei. O guru, muito alegre, sentiu-se satisfeito por ter podido conduzir a sua personalidade humana até o lugar previamente combinado.
Obviamente, o Mestre em si mesmo, é o que os hindus chamam de Atman, o Espírito Divino, unido com sua Alma Espiritual (Buddhi).
A Alma Humana (Manas Superior), revestida com sua personalidade terrestre, constitui o que sabiamente se denomina de Boddhisattwa no oriente misterioso. Logo, é fácil compreender que aquele homem que veio a mim era o Boddhisattwa do Mestre.
E vinha adormecido... que dor! No entanto ele era um Boddhisattwa caído... O Mestre conseguiu controlá-lo e conduzi-lo como a um autômato ou como a uma marionete até o lugar do encontro.
Nada há de estranho que um Boddhisattwa (Alma Humana de um Mestre), depois de cair, submirja lamentavelmente no sonho da inconsciência.
Nos tempos antigos, na época em que, os rios de água pura da vida vertiam leite e mel, viveram sobre a face da Terra muitos Mestres.
Com o advento fatal de Kali Yuga, a Idade Negra em que desgraçadamente vivemos, muitos Boddhisattwas caíram e a lira de Orfeu ruiu sobre o pavimento do templo, desfeita em pedaços.
“A Grande Divindade antiga foi derrubada. Ela repousa sobre um flanco, o rosto contra a terra. Não obstante, as Hierarquias Celestes a levantam”."
Mensagem de Natal 1969/70 - Samael Aun Weor